O que aprendi com minha Vó
Foi bem difícil encontrar fotos da minha avó sorrindo, mas esta é uma delas. Um sorriso largo no rosto, um brilho incomparável nos olhos, carregando seu primeiro neto: Eu.
Não diria que foi uma pessoa infeliz, porém, verdade seja dita, se compararmos com a vida da maiorias das pessoas, minha avó certamente teve menos motivos para sorrir.
Ainda com os filhos pequenos para criar, perdeu tudo em função de uma briga política na cidade onde vivia. Meu avô tinha uma grande fazenda e tudo ia bem até que ele decidiu se candidatar como político em oposição a um Coronel da cidade. A partir daí tudo aconteceu bem rápido.
Antes da época de colheita do café, o Coronel intimidou todos os credores do meu avô a cobrarem de uma só vez o dinheiro que lhe estava financiado e investido na fazenda, na plantação. Isto tudo, bem antes da colheita e consequentemente da venda da produção, de modo que seria impossível manter as finanças de pé.
O Coronel mesmo não receberia dinheiro algum. Seu único interesse era demonstrar poder e humilhar meu avô, minha avó e toda minha família perante a cidade. Quando tudo havia acabado e minha família já estava falida, ele ainda fez questão de enviar seu pessoal para pegar até o último garfo da cozinha da minha avó. Apenas como mais um requinte de humilhação. Finalmente, depois de perder a fazenda minha família também foi expulsa da casa na cidade que os abrigava. Eventualmente também tiveram que sair da própria cidade.
Meu avô, antes fazendeiro, morreu porteiro em Belo Horizonte. Uns dizem ter morrido de câncer, outros de desgosto. Morreu cedo. Naturalmente, nunca o conheci. Deixou minha avó com quatro filhos para criar com seu salário de professora da rede pública. E assim ela o fez.
Doze anos atrás, com os filhos todos criados, ela veio morar conosco. Deste tempo, seis anos ela passou em uma cama, aprisionada pela sua própria mente, acometida pelo Alzheimer. Toda vez que eu chegava ao lado da cama dela, pedia a “bença” na esperança que ela respondesse. Nada acontecia. Mesmo sem qualquer reação, eu sabia que ela gostaria que eu fizesse isto e foi o que eu fiz até o último dia.
Sempre parava ao lado de sua cama e ficava a observando. Gemia muito. Sofria. Para mim, o que eu imaginava, era que ela estava em uma redoma de vidro tentando atravessar um vale de sombras. Enquanto nós podíamos apenas olhá-la e torcer por seu bem, ela se agarrava em qualquer fio de sobrevida e continuava lutando para sair dali. Ela nunca desistiu.
Várias vezes, confesso, até nós nos dávamos por vencidos e tínhamos certeza que ela não iria resistir, mas de um jeito, ou de outro, ela voltava. Nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum movimento. Só gemidos. Foi assim durante seis anos.
Na última semana o médico nos disse: “Não entendo como é possível ela continuar viva. Qualquer um de nós já teríamos partido nesta situação”. Era impossível olhar minha avó e não se abater com o sofrimento dela. O corpo rejeitava tudo. Até mesmo o soro que lhe era dado, saía através da sua própria pele. E ela não desistia jamais. O médico nos disse que minha avó tinha entrado em uma espécie de estado de hibernação, que estava se apoiando no último vestígio de nutriente que lhe restava. Aquilo tudo estava fora do escopo da razão, ninguém entendia como era possível.
Ela esperou, pacientemente, o último sábado para nos deixar. Professora a vida toda, morreu no Dia dos Professores. E como se não bastasse, o passar dos anos havia transformado a casa da qual foi expulsa em um velório da cidade. E lá estava ela de novo, para se despedir de toda nossa família, pela última vez, sendo velada na casa de onde ela nunca deveria ter saído.
Próximo do fim, minha mãe pediu apenas uma coisa para ela: “Me deixe de herança sua coragem e força”. E tenho certeza que ela assim, o fez.
Minha avó me ensinou a nunca desistir. Me ensinou a valorizar a vida, não importa o quanto esteja difícil. Esta é a força que minha avó nos deixou.
Obrigado por tudo vó, você é um exemplo e nós somos privilegiados por poder aprender com você.
Descanse em paz.